segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Empregado De Escritório eleito Pior Português De Sempre

Bernardo Soares, empregado de escritório na Baixa, em Lisboa, foi considerado o Pior Português De Todos Os Tempos. Apesar de uma concorrência feroz (10.699.999 concidadãos) , o galardão, atribuído por unanimidade – só um dos membros do júri se encontrava presente; os restantes assumiram-se candidatos – foi concedido pela sua “influência absolutamente nefasta no auto-retrato da alma deste nobre povo e desta nação valente e imortal, através de uma escrita polvilhada de tédio, regada com depressão e cozida no lume brando do malfadado fado enfadado”(sic).
Aqui se apresentam, em exclusivo, alguns excertos do extenso dossier submetido ao Juízo Final, citados no acórdão concomitante:

“Tudo me interessa e nada me prende.”

“Um tédio que inclui a antecipação só de mais tédio(…)”

“Vejo-me no meio de um deserto imenso.”

“Tenho que escolher o que detesto – ou o sonho, que a minha inteligência odeia, ou a acção, que a minha sensibilidade repugna; ou a acção, para que não nasci, ou o sonho, para que ninguém nasceu.”

“Tardava-me, talvez, a sensação de estar vivo. E quando me debrucei da janela altíssima, sobre a rua para onde olhei sem vê-la, senti-me de repente um daqueles trapos húmidos de limpar coisas sujas, que se levam para a janela para secar, mas se esquecem, enrodilhados, no parapeito que mancham lentamente.”

“Não compreendo senão como uma espécie de falta de asseio esta inerte permanência em que jazo da minha mesma e igual vida, ficada como pó ou porcaria na superfície de nunca mudar.”

“Pedi tão pouco à vida e esse mesmo pouco a vida me negou.”

“No meu coração há uma paz de angústia, e o meu sossego é feito de resignação.”

“O patrão Vasques é a Vida. A Vida, monótona e necessária, mandante e desconhecida. Este homem banal representa a banalidade da Vida.”

“Nós nunca nos realizamos.
Somos dois abismos – um poço fitando o céu.”

“O único modo de estarmos de acordo com a vida é estarmos em desacordo com nós próprios.”

“Amar-me é ter pena de mim.”

“Invejo a todas as pessoas o não serem eu.”

“…e um profundo e tediento desdém por todos quantos trabalham para a humanidade, por todos quantos se batem pela pátria e dão a sua vida para que a civilização continue…”

“Espero, pois, debruçado sobre a ponte, que me passe a verdade, e eu me restabeleça nulo e fictício, inteligente e natural.”

Encontrando-se ausente em ponte incerta, o troféu (um revólver carregado e pronto a disparar) foi recebido “com muito gosto” pelo seu colega de café e companheiro de quarto, Fernando Pessoa, que agradeceu comovido, afiançando com a voz embargada ser “não apenas colega como desde já o melhor amigo deste cavalheiro agora tão ilustre, pelo que partilho igualmente o reconhecimento que este agora merece.”

1 comentário:

WearableArt disse...

É assim(encolhe ombros)é a vida..